Mais coração nas mãos. São Camilo de Lellis – Eunice Pinheiro Sousa

Numa altura em que muitos foram convidados a ficar em casa, eu recebi um convite para sair e viver uma experiência inédita. Nas minhas mãos, e dos meus colegas, foi deixada a missão de apoiarmos a nossa instituição integrando a equipa de cuidados ao idoso em contexto de Lar.

Mais coração nas mãos. Prestar cuidados a um idoso não é apenas dar-lhe banho e servir-lhe as refeições. É, na manhã, fazer acordar com uma palavra bem-disposta e um sorriso de alento para mais um dia feliz. No ajeitar dos cobertores, desejar uma boa noite gratos pelo dom da vida. Ouvir um desabafo, acalmar um choro, apaziguar as suas dores e registar na memória do coração cada gesto de carinho que nos faz sentir tão pequenos perante tamanha gratidão por tudo aquilo que somos nas suas vidas. Somos quem está ao seu lado em todos em todos os momentos, a partilhar as aflições e as boas-novas e olhá-los fundo nos olhos a compreender o que as palavras não dizem.

A diferença que fazemos na vida que quem depende de nós está no tamanho do nosso coração. Num momento de grande fragilidade e insegurança, deixámos os nossos medos de lado e, em cada novo dia, aceitávamos a oportunidade de tornarmos o dia de alguém melhor. Eram grandes os seus medos também.

Sem poderem sair do Lar ou receber qualquer visita, o carinho dos seus familiares chegava-lhes através de videochamadas, num aparelho a alguns muito estranho. Pela televisão vinham notícias muito pouco animadoras, mas a aflição e ansiedade eram rapidamente postas de parte num exercício de imaginação para alegrar o confinamento de todos os idosos. As senhoras rezavam pela saúde de todos os doentes e pediam por aqueles que deles cuidavam. Os senhores, com poucas conversas, iam pensando nesta vida que tão depressa havia mudado. A rotina diária do Lar acontecia, os dias sucediam-se com todas as medidas necessárias, a proteção dos idosos dependia da nossa proteção. A nós, que todos os dias regressávamos, não menos era esperado do que zelo no cumprimento rigoroso de todos os procedimentos. Nas nossas mãos estavam vidas queridas, a nossa missão era dar o melhor de nós para a sua segurança e bem-estar.

Por estes dias, a normalidade vai regressando gradualmente ao Lar. Também nós regressámos às nossas funções. Os tempos são de mudança, mas a mudança maior aconteceu em mim. A superação diária nas tarefas que nunca antes tinha realizado, a preparação psicológica exigida para encarar o desafio com prontidão, mas, acima de tudo e mais importante, a lembrança que levo de todos os momentos vividos. Os rostos, as palavras, os sorrisos, as mãos sempre cheias de muito coração, deixaram marcas indeléveis na pessoa que sou. Levo comigo a esperança de ter deixado um pouco de mim naquilo que fiz e nas pessoas que conheci.

Se há coisa que este novo vírus fez realçar foi o papel das Misericórdias na sociedade. Estas são o garante das respostas sociais à população, a sua ação chega onde o Estado não consegue intervir, assegurando o bem-estar de muitas pessoas que delas necessitam, desde a infância à velhice. Falhar no apoio a estas instituições é falhar na proteção da vida de milhares de pessoas. Nestes tempos, foram fundamentais na mobilização dos seus colaboradores para que a resposta não falhasse, minimizando o impacto da novidade destes tempos na dinâmica normal de funcionamento das valências que não cessaram atividade. As Misericórdias, com o passar de séculos, mantêm-se presentes e firmes no seu propósito, com utilidade afetiva cuidar de quem mais precisa.

A todos os profissionais de apoio ao idoso, em especial em contexto de Lar, obrigada. O vosso trabalho é enorme e a vossa dedicação desmedida. São o amparo de todas as horas para quem cada segundo vale muito.

É no dar que se recebe. Todos podem dar e todos precisam de receber. Tenhamos a humildade em dar e sejamos gratos ao receber.

 

Eunice Pinheiro Sousa
Secretária-Geral da JSD Açores