Revolução digital, ensino à distância e ovos – Cláudia Bettencourt Veríssimo

Lembram-se do jogo “quem chegar em último é um ovo podre”? Pois então: quem falar mal da revolução digital é um ovo podre, mas quem achar que ela vai muito bem, é o rei deles todos.

A revolução tecnológica, mesmo no meio de tanta incerteza, fez-nos conseguir continuar a jantar com amigos, mesmo que por videochamada; fez-nos continuar a ouvir concertos ao vivo e em direto, mesmo que pelo Instagram; fez-nos continuar a ter dicas de culinária da nossa mãe enquanto tentamos fazer alcatra para o jantar, mesmo que usando o Skype. Não, não soube igual. Mas foi o digital que nos ajudou a manter a normalidade. (E nem vamos falar da plataforma Zoom.) A forma como a Covid-19 nos fez incrivelmente dependentes do todo digital, veio alertar-nos para a proximidade temporal de realidades temidas desde o século XIX.

Bem sabemos que a revolução tecnológica pode, em pouco tempo, deixar milhões de seres humanos fora do mercado de trabalho e criar uma astronómica classe social inútil – e isto assusta. Podemos vir a ser rapidamente redundantes para o setor económico – e isto assusta. Muito. Mas não nos pode deixar apenas assustados, nem somente fazer com que repensemos o amanhã; deve também fazermo-nos mexer para o acompanhar.

Mesmo que sejam eliminados empregos com o avanço tecnológico, alguns novos trabalhos terão de ser forçosamente criados. Provavelmente não precisaremos de novos camionistas, mas de mais engenheiros informáticos. A questão centra-se em garantir que a educação está preparada para essa viragem.

Nós não sabemos qual será a realidade em 2045, mas sabemos que uma criança que nasça hoje estará no mercado de trabalho em 2045. E também sabemos que ela precisa ir preparada. Igualmente sabemos que os professores que a preparam, também têm de estar preparados.

Aprender à distância é apenas uma das soluções tecnológicas para a criação de novas estratégias para o ensino.

Hoje podemos aprender a falar Francês através do Youtube; e repare-se (!), a Universidade de Harvard está a certificar gratuitamente quem queira aprender sobre ventilação mecânica na Covid-19.

O ensino à distância foi a única solução possível para, de uma forma imediata, e tendo em conta o aparecimento repentino da pandemia, garantir aos alunos a continuidade da aprendizagem. É certo que “ninguém estava preparado para isso”, mas essa não pode ser a desculpa, e usá-la repetidamente só mostra falta de pensamento.

O aparecimento da pandemia, e a forma como nos obrigou a viver com a tecnologia terá forçosamente de ser vista como a oportunidade de repensar o nosso sistema de ensino. É quase caso para afirmarmos que a Covid-19 fez mais pelo nosso sistema de ensino do que qualquer governante. E aqui chegámos: achar que a o avanço digital vai muito bem, é ser rei dos ovos podres.

Estudos feitos nos Estados Unidos concluíram que a forma como o ensino à distância está desenhado prejudica principalmente alunos com mais dificuldades. Os estudos concluíram que estes alunos menos bem preparados tendem a ter um sucesso inferior nas fases seguintes da sua formação e até a abandonar o ensino mais rapidamente. As investigações mostraram ainda que a ausência de interação direta com o professor é prejudicial à aprendizagem do aluno, sendo particularmente difícil motivar, controlar e acompanhar o estudo.

O ensino à distância, a forma como o implementaram em Portugal, e em particular nos Açores, está longe de ser eficaz. Aliás, há alguns dias, a maioria dos estudantes do ensino superior português considerava estar a ser prejudicada com o ensino à distância, devido à pandemia, num estudo do Observatório de Políticas de Educação e Formação. Os dados apontavam que há mais ansiedade e agitação nos jovens e que eles queriam voltar à escola.

Sabemos que nem todos os alunos da Região possuem meios técnicos para prosseguir a educação em casa. Nem todos têm ligação de internet; nem todos têm computador; e verifica-se ainda que muitos têm de partilhar um dispositivo eletrónico entre irmãos a estudar e pais em regime de teletrabalho.

Parece, portanto, bastante claro que a igualdade de acesso à educação, recorrendo ao ensino à distância, não existe. Pelo menos para já. Devemos então trabalhar no sentido oposto.

A tecnologia, e a sua insurreição, não é uma coisa má. Se soubermos o que queremos, a tecnologia terá o papel de nos ajudar a consegui-lo. Mas, se pelo contrário estivermos alheios, e não planearmos o que queremos, a tecnologia pode condicionar a nossa vida ao ponto de a poder controlar. Basicamente, estaremos nós a servir a tecnologia, em vez de ela nos servir a nós.

Ninguém quererá substituir os professores por computadores ou tablets e ninguém quererá igualmente que o ensino seja feito apenas à distância – mas conseguimos compreender que ele poderá trazer evidentes benefícios se complementado eficazmente com o ensino presencial. Mais do que tudo, precisamos de uma nítida aposta no ensino ao longo da vida; de uma aposta na reavaliação curricular dos jovens; de uma aposta na formação dos professores. Precisamos, portanto, de uma liderança arrojada e de largueza de pensamento.

 

Cláudia Bettencourt Veríssimo
Vice Presidente da JSD Açores
Especialista em Comunicação e Media