Ironia: quando a austeridade é a promotora e a devolução a castradora – Luís Pereira

A liberalização das rotas de e para os Açores é considerado um momento de viragem na economia do arquipélago, durante tantos anos fechado sob si próprio.

Tendo em conta a minha formação, não serei, com certeza, o melhor analista dos efeitos económicos que tal medida teve nas nossas nove ilhas, no entanto, não é exatamente sobre isso que me gostaria de versar.

Quando um governo do PSD, na altura com Sérgio Monteiro na pasta dos Transportes, decidiu abrir os Açores não foi apenas essa a única decisão que tomou. Simultaneamente a sua sensibilidade às questões da continuidade territorial permitiu que se criasse um tecto máximo ao montante que seria considerado aceitável para que, um Açoriano, pudesse sair dos Açores para Lisboa ou para o Porto: o Subsídio de Mobilidade.

Esta medida, apesar de, como tudo na vida, ter aspectos negativos (como a sua utilização abusiva ou a injeção encapotada de capital na Azores Airlines), permitiu que os exageros perpetrados pela companhia que deveria ser de todos os Açorianos não fosse a barreira em viajar para fora dos Açores.

Ora, se um governo conotado com a austeridade e o “brutal aumento de impostos” foi capaz de, compreendendo as suas responsabilidades, entregar aos Açorianos milhões de euros através do subsídio de mobilidade, será eticamente aceitável que um governo conotado com o fim da austeridade e da devolução de rendimentos, agora o venha limitar ou castrar?

O assunto continua fechado numa retórica do politicamente correto dos grupos de trabalho, no entanto, não é descabido que novas regras venham a ser impostas para o acesso a este subsídio, até porque se anda a gastar 22 milhões de euros, e isso é muito viajar.

Têm sido já diversas as vozes, para além do PSD, que tem alertado para a necessidade de modificação do processo dos reembolsos das passagens (atendendo à burocracia e dificuldade no seu acesso), no entanto, à boa maneira paternalista de Lisboa, o Ministério das Finanças poderá achar que suportar esta despesa aos Açorianos é um apoio dispensável.

Para quê o subsídio de mobilidade quando podemos calçar as galochas e atravessar de ilha para ilha durante a maré baixa… Ou, no caso de estarmos num dia com vagas de sete metros, apanhamos o comboio.

Mais uma vez, sente-se a falta de um governo que, representando os Açores, e não o Partido Socialista, possa ser a voz na defesa do arquipélago. Continua a faltar a coragem ao Governo Regional para defender as legítimas aspirações regionais acima das do seu próprio partido. A prova deste comportamento de subserviência, como se fosse preciso mais, é a reação dos dirigentes regionais do PS à chamada de atenção do PSD/Açores.

Nada se passa. Tudo são invenções dos alarmistas sociais democratas. É apenas a vontade de criticar, por criticar.

Bom, nesse caso, sigamos a aguardar o profícuo trabalho de mais uns grupos na AR. O futuro esclarecerá o caminho deste subsídio. Se se vier a confirmar qualquer alteração negativa no subsídio de mobilidade dos Açorianos, será a suprema ironia: a época de austeridade foi a promotora de mudança e a época das devoluções a castradora.

Luís Pereira é vice-presidente da JSD/Açores, desde 2015, e Conselheiro Nacional da JSD.